A viagem do elefante
Romance, 2008
Romance, 2008
Não é todo dia que aparece um elefante em nossa vida, muito menos chamado Salomão. Pois é esse formoso e meigo paquiderme, nascido em Goa, transportado pelos mares a Portugal no século XVI, o herói da viagem que aqui se conta. Foi numa conversa de alcova, nos idos de 1551, que dom João III e sua mulher, Catarina d'Áustria, selaram o destino do animal. Ele despertara grande curiosidade ao desembarcar em Lisboa, mas agora vegetava, sujo e malcheiroso, num cercado para os lados de Belém, junto com seu cornaca indiano. Assim é a lei da vida, nos diz Saramago: triunfo e esquecimento. Suas altezas dão novo alento a Salomão quando resolvem oferecê-lo de presente de casamento ao arquiduque austríaco Maximiliano II, recém-casado com a filha do imperador Carlos V.
E lá se vai a caravana. Meses a fio, um punhado de soldados, cavalos e bois e um elefante de três metros de altura e quatro toneladas de peso, percorrem os caminhos de Portugal, Espanha e Itália, enfrentando intempéries, perigos reais e imaginários, vivendo aventuras ao lado de uma profusão de atores que surgem e logo desaparecem do palco do relato. Depois de uma heróica travessia dos Alpes sob tempestade de neve, que Salomão encara com a galhardia de seus ilustres antepassados liderados por Aníbal, o general cartaginês, a viagem chega ao fim no dia 6 de janeiro de 1552, em Viena.
Com sua finíssima ironia e muito humor, sua prosa que destila poesia, José Saramago reconstrói essa epopéia de fundo histórico e dela se vale para fazer considerações sobre a natureza humana e, também elefantina. Impelido a cruzar meia Europa por conta dos caprichos de um rei e de um arquiduque, Salomão não decepcionou as cabeças coroadas. Prova de que, remata o autor, sempre se chega aonde se tem de chegar.
[Orelha da edição brasileira, publicada pela Companhia das Letras, 2008]
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A viagem do elefante, de José Saramago
por Viegas Fernandes da Costa
Há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Há quem diga, claro, ser isto pura bobagem. Bobagem ou verdade, no final de 2007 o escritor português José Saramago enfrentou problemas respiratórios gravíssimos que por pouco não o levaram a óbito. Recuperado, tratou de concluir seu mais novo livro, “A Viagem do Elefante”, uma novela teimosamente referenciada de conto pelo próprio autor.
Há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Há quem diga, claro, ser isto pura bobagem. Bobagem ou verdade, no final de 2007 o escritor português José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura em 1998) enfrentou problemas respiratórios gravíssimos que por pouco não o levaram a óbito. Recuperado, tratou de concluir seu mais novo livro, “A Viagem do Elefante” (Ed. Companhia das Letras, 2008), uma novela teimosamente referenciada de conto pelo próprio autor.
“A Viagem do Elefante” ambienta-se em meados do século XVI, e conta a história do elefante Solimão (ou Salomão, como é chamado depois de passar à propriedade austríaca) e seu cornaca Subhro (ou Fritz, cujo nome também é modificado, pois, enquanto tratador e guia, acompanha o elefante e os desígnios aos quais este é submetido). Solimão era propriedade do império português, e vivia um tanto quanto esquecido em Lisboa, sob os cuidados de Subhro. De pouca ou nenhuma serventia aos interesses do rei D. João III, o elefante é presenteado ao arquiduque austríaco Maximiliano II, recém casado com a filha do imperador Carlos V, que aceita o presente e imediatamente procede a mudança dos nomes de Solimão e Subhro para Salomão e Fritz. A partir de então, o narrador passará a contar a história da longa viagem empreendida por Salomão e Fritz, primeiramente de Portugal a Espanha, onde se detinha a comitiva de Maximiliano II, e de Espanha a Áustria, incluindo-se aí uma perigosa viagem marítima pelo Mediterrâneo e uma quase suicida travessia dos Alpes.
Para quem se acostumara à densidade de livros como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Memorial do Convento” entre outros, este “A Viagem do Elefante” aparenta uma simplicidade e uma linearidade que parecem destoar da obra do autor; entretanto, é nas tergiversações dos personagens e do narrador que reside a maior qualidade da obra. A história serve apenas como pano de fundo para que José Saramago exercite seu mais fino humor e sua mordaz ironia à burocracia de Estado e à corrupção intrínseca dos indivíduos. Assim, não foi casual a escolha de um elefante como personagem central do livro. É Solimão (ou Salomão) que move a burocracia de um Estado inoperante, muito mais preocupado com sua perpetuação e imagem, do que com sua eficiência junto às necessidades de seu povo, e é em torno e em função dele que se destacará toda uma comitiva e para qual se contratarão funcionários que possam suprir suas necessidades particulares e tornar possível e segura sua viagem. Solimão é, desta feita, o próprio Estado, cuja ineficácia burocrática José Saramago discutiu em livros como “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Lucidez”, dentre outros. Subhro (ou Fritz), o cornaca, por sua vez, constitui-se como personagem complexo: indiano de origem, emigrou para Portugal acompanhando Solimão, a quem trata, treina e guia. Apesar de servir a seu soberano, seja este o rei português ou o arquiduque austríaco, é dado a arroubos de autonomia, e chega a contestar e ironizar seus superiores hierárquicos. Sabendo-se fundamental aos interesses do seu governo, considerando ser o único a conhecer as manhas e artimanhas de Solimão, Subhro emite suas opiniões próprias e, em nome do bem-estar do elefante (e, consecutivamente, dos interesses de Estado), chega a impor condições para a viagem. Entretanto, como todo ser humano, deixa-se levar também por seus interesses próprios e, sempre que pode, usa do Estado (no caso, Solimão) para obter lucros e benefícios pessoais, como no episódio em que passa a vender pelos do animal a uma população crédula depois de ter usado o paquiderme para forjar um milagre – uma clara referência ao momento em que a história é ambientada, quando na Europa eclodiram os movimentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica.
Como já dissemos aqui, há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Fato é que em “A Viagem do Elefante” encontramos um Saramago mais leve, consciente da importância da sua literatura, porém ciente, também, de que talvez já tenha dito o que havia para se dizer, e que a esta altura de sua vida e carreira importa mesmo o prazer de escrever uma boa história.
Por isso, talvez, a impressão de um Saramago sorridente que nos acomete quando fechamos o livro.
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A viagem do elefante, de José Saramago
por Viegas Fernandes da Costa
Há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Há quem diga, claro, ser isto pura bobagem. Bobagem ou verdade, no final de 2007 o escritor português José Saramago enfrentou problemas respiratórios gravíssimos que por pouco não o levaram a óbito. Recuperado, tratou de concluir seu mais novo livro, “A Viagem do Elefante”, uma novela teimosamente referenciada de conto pelo próprio autor.
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Há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Há quem diga, claro, ser isto pura bobagem. Bobagem ou verdade, no final de 2007 o escritor português José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura em 1998) enfrentou problemas respiratórios gravíssimos que por pouco não o levaram a óbito. Recuperado, tratou de concluir seu mais novo livro, “A Viagem do Elefante” (Ed. Companhia das Letras, 2008), uma novela teimosamente referenciada de conto pelo próprio autor.
“A Viagem do Elefante” ambienta-se em meados do século XVI, e conta a história do elefante Solimão (ou Salomão, como é chamado depois de passar à propriedade austríaca) e seu cornaca Subhro (ou Fritz, cujo nome também é modificado, pois, enquanto tratador e guia, acompanha o elefante e os desígnios aos quais este é submetido). Solimão era propriedade do império português, e vivia um tanto quanto esquecido em Lisboa, sob os cuidados de Subhro. De pouca ou nenhuma serventia aos interesses do rei D. João III, o elefante é presenteado ao arquiduque austríaco Maximiliano II, recém casado com a filha do imperador Carlos V, que aceita o presente e imediatamente procede a mudança dos nomes de Solimão e Subhro para Salomão e Fritz. A partir de então, o narrador passará a contar a história da longa viagem empreendida por Salomão e Fritz, primeiramente de Portugal a Espanha, onde se detinha a comitiva de Maximiliano II, e de Espanha a Áustria, incluindo-se aí uma perigosa viagem marítima pelo Mediterrâneo e uma quase suicida travessia dos Alpes.
Para quem se acostumara à densidade de livros como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Memorial do Convento” entre outros, este “A Viagem do Elefante” aparenta uma simplicidade e uma linearidade que parecem destoar da obra do autor; entretanto, é nas tergiversações dos personagens e do narrador que reside a maior qualidade da obra. A história serve apenas como pano de fundo para que José Saramago exercite seu mais fino humor e sua mordaz ironia à burocracia de Estado e à corrupção intrínseca dos indivíduos. Assim, não foi casual a escolha de um elefante como personagem central do livro. É Solimão (ou Salomão) que move a burocracia de um Estado inoperante, muito mais preocupado com sua perpetuação e imagem, do que com sua eficiência junto às necessidades de seu povo, e é em torno e em função dele que se destacará toda uma comitiva e para qual se contratarão funcionários que possam suprir suas necessidades particulares e tornar possível e segura sua viagem. Solimão é, desta feita, o próprio Estado, cuja ineficácia burocrática José Saramago discutiu em livros como “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Lucidez”, dentre outros. Subhro (ou Fritz), o cornaca, por sua vez, constitui-se como personagem complexo: indiano de origem, emigrou para Portugal acompanhando Solimão, a quem trata, treina e guia. Apesar de servir a seu soberano, seja este o rei português ou o arquiduque austríaco, é dado a arroubos de autonomia, e chega a contestar e ironizar seus superiores hierárquicos. Sabendo-se fundamental aos interesses do seu governo, considerando ser o único a conhecer as manhas e artimanhas de Solimão, Subhro emite suas opiniões próprias e, em nome do bem-estar do elefante (e, consecutivamente, dos interesses de Estado), chega a impor condições para a viagem. Entretanto, como todo ser humano, deixa-se levar também por seus interesses próprios e, sempre que pode, usa do Estado (no caso, Solimão) para obter lucros e benefícios pessoais, como no episódio em que passa a vender pelos do animal a uma população crédula depois de ter usado o paquiderme para forjar um milagre – uma clara referência ao momento em que a história é ambientada, quando na Europa eclodiram os movimentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica.
Como já dissemos aqui, há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Fato é que em “A Viagem do Elefante” encontramos um Saramago mais leve, consciente da importância da sua literatura, porém ciente, também, de que talvez já tenha dito o que havia para se dizer, e que a esta altura de sua vida e carreira importa mesmo o prazer de escrever uma boa história.
Por isso, talvez, a impressão de um Saramago sorridente que nos acomete quando fechamos o livro.
[Texto
publicado em março de 2009, no site Sarau Eletrônico]