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A maior flor do mundo
Conto, 2001



Capa da edição brasileira de A maior flor do mundo


























O livro apesar de dirigido para crianças, não tem um enredo tão acessível a elas. Não digo do ponto de vista temático, mas do ponto de vista da composição textual. Me parece que o seu autor-narrador peca em contar esse conto infantil adulterado (no sentido de sê-lo para um público que não o infantil). Entretanto trata-se de um exercício de escrita no mínimo interessante, porque temos concomitante sua narração um texto que mira a si próprio, pondo-se ao relato da dificuldade que seu narrador, enquanto contador de história para crianças, sente. E vale sim, a pena ser lido, senão pela crianças, pelo adulto para criança (me parece que desse modo o enredo fica-lhe mais acessível).

"Encerrando a escrita ao caráter limítrofe da fantasia e do maravilhoso, Saramago reflete sobre a infância e o universo infantil e sobre a escrita para este universo. Ao fundir narrador em autor cria-se a ilusão de uma narrativa breve e muito simples sobre as aventuras de um herói com o objetivo de salvar uma flor, onde por força expressão maior, o escritor reflete sobre a infância e a literatura amarradas por um laço inabalável de que nas gerações mais novas encerra-se uma esperança do fazer grandes coisas a partir do simples."


a citação está no texto A maior flor do mundo, de José Saramago. Um metatexto acerca da escrita literária para o universo infantil, publicado nos Anais do II Encontro nacional sobre literatura infanto-juvenil e ensino.

[Nota publicada no Blog Letras in.verso e re.verso]

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História de uma flor

por José Saramago

Aí pelos começos dos anos 70, quando eu ainda não passava de um escritor principiante, um editor de Lisboa teve a insólita ideia de me pedir que escrevesse um conto para crianças. Não estava eu nada certo de poder desobrigar-me dignamente da encomenda, por isso, além da história de uma flor que estava a morrer à míngua de uma gota de água, fui-me curando em saúde pondo o narrador a desculpar-se por não saber escrever histórias para a gente miúda, a quem, por outro lado, diplomaticamente, convidava a reescrever com as suas próprias palavras a história que eu lhes contava. O filho pequeno de uma amiga minha, a quem tive o desplante de oferecer o livrinho, confirmou sem piedade a minha suspeita: “Realmente”, disse à mãe, “ele não sabe escrever histórias para crianças”. Aguentei o golpe e tentei não pensar mais naquela frustrada tentativa de vir a reunir-me com os irmãos Grimm no paraíso dos contos infantis. Passou o tempo, escrevi outros livros que tiveram melhor sorte, e um dia recebo uma chamada telefónica do meu editor Zeferino Coelho a comunicar-me que estava a pensar em reeditar o meu conto para crianças. Disse-lhe que devia haver um engano, porque eu nunca tinha escrito nada para crianças. Quer dizer, havia esquecido totalmente o infausto acontecimento. Mas, há que dizê-lo, foi assim que começou a segunda vida de “A maior flor do mundo”, agora com a bênção das extraordinárias colagens que João Caetano fez para a nova edição e que contribuíram de maneira definitiva para o seu êxito. Milhares de novas histórias (milhares, sim, não exagero) foram escritas nas escolas primárias de Portugal, Espanha e meio mundo, milhares de versões em que milhares de crianças demonstraram a sua capacidade criadora, não só como pequenos narradores, também como incipientes ilustradores. Afinal, o filho da minha amiga não tivera razão, o conto, de transparente simplicidade, havia encontrado os seus leitores. Mas as coisas não ficaram por aqui. Há alguns anos, Juan Pablo Etcheverry e Chelo Loureiro, que vivem na Galiza e trabalham em cinema, procuraram-me com o objectivo de fazer da “Flor” uma animação em plasticina, para a qual Emilio Aragón já tinha composto uma bela música. Pareceu-me interessante a ideia, dei-lhes a autorização que pediam e, passado o tempo necessário, inútil dizer que depois de muitos sacrifícios e dificuldades, o filme foi estreado. Eu próprio apareço nele, de chapéu e bastante favorecido na idade. São quinze minutos da melhor animação, que o público tem aplaudido em salas e festivais de cinema, como foram, no passado recente, os casos de Japão e Alasca. Como foi igualmente o prémio que acaba de lhe ser atribuído no Festival de Cinema Ecológico de Tenerife, felizmente ressurgido de uma paragem forçada de alguns anos. Chelo veio a nossa casa, trouxe-nos o prémio, uma escultura representando uma planta que parece querer ascender até ao sol e que, muito provavelmente, irá continuar a sua existência na Casa dos Bicos, em Lisboa, para mostrar como neste mundo tudo está ligado a tudo, sonho, criação, obra. É o que nos vale, o trabalho.


[Texto publicado inicialmente no blog O caderno, do escritor português].