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Na segunda parte da entrevista concedida ao Opera Mundi em sua casa em Lisboa, José Saramago diz não ter o menor medo da morte, prevê no máximo mais quatro anos de vida (tem 86 atualmente) e afirma que não teve uma vida interessante como a do escritor norte-americano Jack London.



Você ainda se recupera de uma doença respiratória potencialmente fatal contraída há dois anos. Isso o deixou com medo da morte?

Não temo a morte. O pior da morte – isso sim dói – é que a pessoa estava e de repente deixou de estar, se acabou. Creio que a esperarei muito pacificamente, tenho consciência de que a vida não pode ser muito mais longa. Terei mais três ou quatro anos, talvez menos, mas não há problema.

Apesar da doença, você não parou de escrever...

Quando concluí A Viagem do Elefante, realmente pensei que seria o último romance. Foi todo escrito em plena enfermidade e não se percebe nada, numa única palavra. E logo me veio outra ideia, um livro que já terminei e terá umas 200 páginas. Escrevi muito rápido, talvez seja o livro que escrevi com mais vontade, mais ímpeto... Terá uma surpresa, mas não direi mais nada, nem sequer o título.

Você escreveu com mais entusiasmo por ser mais pessoal?

Não, não, não, não escrevo para contar minhas coisas. Não há nenhum livro, à exceção, talvez, do Manual de Pintura e Caligrafia, onde se possa encontrar dados autobiográficos. Minha vida não tem nenhum interesse, não tenho uma vida como a de Jack London, uma vida complicada. Se eu escrevesse um romance baseado em minha própria vida, seria a coisa mais chata do mundo (ele sorri). Claro que me casei uma vez, me casei outra vez, mas não estive em nenhuma guerra, embora tenha tido, sim, uma vida extraordinária.

Você escreveu inúmeros livros. Mas o que pensa dos 20 anos em que não produziu nada depois de escrever Clarabóia, nos anos 40?

Meu primeiro romance foi publicado em 1947 e chamava-se Terra do Pecado. O título era do editor, para tentar vender mais, o que não aconteceu. Mas nunca deixei de escrever. No ano passado, quando se organizou uma grande exposição em Lanzarote, Lisboa e São Paulo, Pilar (sua esposa) encontrou vários textos inéditos, que vão de tentativas de teatro a romances, alguns com 40, 50 páginas escritas. Para mim foi uma surpresa, pois eu dizia em entrevistas que, depois de Claraboia, não havia escrito mais. A verdade é que escrevi muitíssimo, muitíssimo.

Considerando sua escrita prolífica, você ficou alarmado com a reforma do português?

Em 1911, houve uma grande reforma da língua e da ortografia, acabaram-se as consoantes duplas... Isso, sim, foi uma mudança. Agora as mudanças nos afetam, mas também aos brasileiros, talvez em menor número que as nossas. Que importância tem isso? São coisas mínimas e se eu quiser, e certamente vou querer, escreverei como antes. E quando escrever um livro, os editores tratarão de corrigir, e não me importará nada (sorri). Há oposição por causa do patriotismo português, são formas de conservadorismo que se disfarçam de justificativas supostamente mais nobres. Não há nenhum problema.