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Comecei a ir ao cinema tinha seis anos ou coisa que o valha. Importante aí em primeiro lugar é esse gosto pelo cinema, pelas personagens que eu ia conhecendo e que depois, de uma maneira inconsciente, acabo por estabelecer relações entre aquilo que se vai vendo e a realidade circundante.

José Saramago em entrevista a João Céu e Silva, publicada no livro Uma longa viagem com Saramago. 


Entre a Penha de França, onde morávamos, e o liceu, no caminho que é hoje a Avenida General Roçadas e depois a Rua da Graça, havia dois cinemas, o Salão Oriente e o Royal Cine, e neles nos entretínhamos, eu e os colegas que moravam apara aqueles lados, a ver os cartazes expostos, como então era uso em todos os cinemas. A partir dessas poucas imagens, no total umas oito ou dez, armava eu ali mesmo uma completa história, com princípio, meio e fim, sem dúvida auxiliado na manobra mistificadora pelo precoce conhecimento da Sétima Arte que havia adquirido no tempo dourado do “Piolho” da Mouraria. Um pouco invejosos, os companheiros ouviam-me com atenção, faziam de vez em quando perguntas para aclarar alguma passagem duvidosa, e eu ia acumulando mentiras sobre mentiras, não muito longe já de acreditar que realmente tinha visto o que apenas estava inventando…

José Saramago, As pequenas memórias