+A +/- -A


Foi há quase trinta anos, precisamente em Novembro de 1964, que Juan Goytisolo se deu a conhecer aos leitores portugueses, em especial aqueles que só pela facilidade relativa de uma tradução podiam aceder à literatura espanhola de então. Numa colecção - a "Contemporânea" - que já levava cinquenta e nove volumes publicados, de autores portugueses e estrangeiros, aparecia, pela primeira vez, o nome de um romancista espanhol, que o editor apresentava como pertencente "à notável geração realista dos 50, substancialmente crítica, antifascista e liquidadora de mitos". Era o livro Duelo en el paraíso, traduzido, adequadamente, para Luto no Paraíso. Não me recordo agora, nem tenho ao meu alcance maneira de o confirmar, se mais livros de Juan Goytisolo foram depois publicados por esse ou outros editores. O que, sim, sei, é que, após a leitura de Luto no Paraíso, perdi durante muitos anos o rasto literário de Goytisolo. Quando, mais tarde, em virtude de razões que não vêm ao caso, fui levado a conhecer de perto a actualidade cultural espanhola, reencontrei, inevitavelmente, o autor que havia perdido, o qual, entretanto, tinha vindo a construir uma obra ampla e poderosa, caracterizada por sucessivas rupturas, tanto temáticas como estilísticas, e eticamente marcada por uma implacável revisão axiológica. Não foi pequeno nem fácil o trabalho de colocar-me mais ou menos em dia com a obra do recuperado autor: apenas posso dizer que estou perfeitamente inteirado da diversidade de níveis de percepção que tal obra em si mesma, impõe e logo exige do leitor. 

Um dia, não recordo quando nem onde, coincidi com Juan Goytisolo em um desses encontros ou congressos, aonde, e talvez com demasiada frequência, por mal dos nossos pecados, nos deixamos levar. Alguém nos apresentou, uma dessas apresentações fugidias, formais, que para nada servem. A verdadeira apresentação foi por nossa própria conta que a fizemos, de cada vez que circunstâncias semelhantes voltaram a reunir-nos. Não temos conversado muito, Juan Goytisolo e eu, mas mantemos desde há alguns anos, ora falando do estrado ora ouvindo na plateia, um diálogo que só aparentemente se interrompe, reconhecendo-nos mutuamente, nessa peculiar conversa nossa, a par de diferenças e divergências acaso irresolúveis, uma comunhão de sentimentos e ideias dificilmente traduzível por palavras (digo a comunhão, não os sentimentos e ideias, que para esses sempre palavras se achariam), mas que eu designaria, sem nenhuma pretensão de rigor, por uma consciência muito clara, e não raro dolorosa, da responsabilidade de cada ser humano perante si próprio e perante a sociedade, tomada esta, não como uma abstracção cómoda, mas na sua realidade concreta de conjunto de indivíduos e de pessoas. Por isto, e o muito que ficará por explicar, direi que vim a reencontrar Juan Goytisolo quando mais precisava dele, quando mais precisava de sentir-me acompanhado, mesmo de longe, mesmo com longos intervalos, por uma voz fraterna e justa.