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As opiniões que o DL teve
Crônicas, 1974


Capa da edição publicada pela Seara Nova de As opiniões que o DL teve em 1974

























"Esta compilação de alguns dos textos que ao longo de quase dois anos foram publicados no Diário de Lisboa (anonimamente os publiquei, pois representavam o que então se entendeu ser a opinião daquele jornal), poderia, em verdade, receber agora o título de regresso à procedência, uma vez que por este modo se identifica publicamente o autor. Mas um título assim sugeriria talvez que as mensagens lançadas no circuito da informação vieram devolvidas ao remetente por não encontrarem destinatário - caso em que a palavra circuito estaria exacta e a propósito, porquanto do circuito é natureza e definição terminar onde começa... aceite-se que a ideia me não agrade, aceite-se que, pelo contrário, obedeço a um pequeno movimento de orgulho (satisfação, se orgulho parece demasiado) pelo mérito de um trabalho de intervenção política (cívica, se mais uma vez caio em exagero) que ocupou lugar digno no processo de esclarecimento em que andamos empenhados. Muito do que então escrevi não ultrapassa o nível do circunstancial, e por isso não tem cabimento neste livro; por outro lado, alguma coisa que no DL apareceu, sob a mesma rubrica, em ocasiões de ausência minha, não me pertence: reivindique quem deve a paternidade de tais escritos, e se alguns deles eu próprio subscreveria, outros obedeceram a motivos que, felizmente, por imediata transparência, nunca me poderiam ser atribuídos... Faça o leitor de boa memória a distinção e eu nem me dou por satisfeito.

Entre os artigos, alguns há que, redigidos na sua altura apenas agora vêem a luz do dia: o facto não precisa explicação. Permita-se-me, contudo, que eu lamente o que nem sequer pude escrever, só porque de antemão sabia que não valia a pena. (Mas recuso, neste justo momento, a fácil complacência de me louvar no que não cheguei a fazer...).

Remata-se, na data em que escrevo esta breve nota de apresentação, a minha actividade de editorialista do DL. Quero acreditar que o trabalho que realizei teve alguma utilidade. Doutra maneira não me seria possível continuar. E eu vou continuar.

Ainda uma advertência. Entre a arrumação por temas, que faria avultar inevitáveis repetições, e a simples obediência cronológica, preferiu-se esta. Tem, ao menos, a virtude de mostrar no correr do tempo, o correr dos casos..."


[José Saramago 31 de Dezembro de 1973]

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Exercício da crônica

por Maria Alzira Seixo

"A primeira notoriedade de José Saramago adveio-lhe da sua actividade de cronista, através de textos publicados em A Capital (1968-1969) e no Jornal do Fundão (1971-1972), mais ou menos contemporâneos dos seus livros de poesia. Reunidos em volume, tais textos dão origem às colectâneas Deste Mundo e do Outro (1971) e A Bagagem do Viajante (1973), aliás seguidos pouco depois de outros dois livros de matéria assimilável, As Opiniões Que o DL Teve, de 1974, e Os Apontamentos, de 1976.

(...) Entretanto, há que distinguir as crónicas de Deste Mundo e do Outro e de A Bagagem do Viajante das que formam os conjuntos As Opiniões que o DL Teve e Os Apontamentos. As primeiras são textos jornalísticos (que do jornalismo colhem a sua brevidade e efemeridade) e assumem uma relação directa com a literatura (na medida em que a crónica, partindo da notícia que faz o tempo, dá lugar ao sujeito da escrita que qualquer outro escrito jornalístico, quer no plano da opinião, quer no da sensibilidade); as segundas, de tipo editorialista, eludem a marca mais acentuadamente literária para se proporem como emissões alargadas de uma opinião que se pretende genérica, colectiva, a dos leitores que, na resposta crítica aos acontecimentos do tempo, o jornalista procura representar. Nas Opiniões, Saramago manifesta as interrogações e perplexidades a que podia ter direito a condicionada liberdade de expressão dos tempos do caetanismo; nos Apontamentos (e apenas dois anos mais tarde, portanto), assume uma frontal posição de coincidência com o processo revolucionário de 75, não escamoteando, no entanto (e será bom recordá-lo!), críticas severas a algumas das faces desse processo; dois longos anos, de um lado, seis escassos meses, do outro, em precipitado empenho de construção que se termina pela decepção do seu abalo. É urgente reler estes dois livros à luz do presente, relembrar muitos dos condicionamentos que o imediato ante-25 de Abril impunha à condição humana portuguesa e percorrer com minúcia o modo como o Diário de Notícias acompanhou esse crucial período da nossa história, entre o 11 de Março e o 25 de Novembro, a ver se de uma vez por todas se tenta compreender uma acção que, com irregularidades e deficiências (que aliás o próprio articulista constantemente admite), marcou de modo determinante a vida portuguesa dos tempos da revolução, que sem a suficiente ponderação se tem de modo fácil e leviano constantemente condenado, muitas vezes como álibi para outros erros e para outras formas menos confessadas de influência incerta sobre o processo democrático que, após o 25 de Abril, nos deu ao menos este bem preciso da liberdade. Tendem uns a esquecer que José Saramago foi figura central dessa acção, para poderem agora enaltecer com boa consciência os seus méritos de romancista; outros manterão bem viva a lembrança da sua luta, e com ela farão esmorecer o reconhecimento da importância da sua actividade literária; como se fosse impossível integrar no modelo de uma personalidade humana coerências, contradições, opções de vida, linhas de acção, tudo o que nos faz ser com os outros e dos outros simultaneamente nos diferencia; como se fosse possível (talvez porque não seja vantajoso...) reconhecer o outro na sua especificidade insuspeitada e assim eliminar todo, mas todo, o fanatismo. Do nosso ponto de vista, estas duas colectâneas, que vivem fundamentalmente do jornalismo político e conjuntural, sem pretenderem uma integração imediata nos domínios da literatura, constituem documentos de grande importância para a história da cultura contemporânea, ponto de vista de um grande escritor sobre o tempo que ele ajudou a formar."


[SEIXO, Maria Alzira. O Essencial sobre José Saramago. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, p.12-14].