Carnaval no convento: Intertextualidade e paródia em José Saramago é um estudo que trata de uma única obra. No entanto, se, conforme afirma seu próprio autor, há obras que valem por uma literatura inteira, esse é o caso da obra de que este estudo trata, que é, sem dúvida alguma, um dos melhores romances do escritor português e um dos mais significativos da produção literária portuguesa dos últimos tempos. E é justamente por assim o ser, seja pela alta qualidade estética do texto de Saramago, seja, principalmente, pelo caráter representativo que o Memorial do convento possui - de ser um dos mais instigantes produtos da prosa de ficção em língua portuguesa de nossa época -, que o ensaio interpretativo de Odil José de Oliveira Filho adquire a importância a que geralmente não chegam as análises particularizadas das obras de um escritor. Tal importância deve ser tributada, antes de tudo, ao respeito que o analista sempre procurou manter em relação ao texto de que se ocupa - ao espírito dialógico, crítico, "carnavalesco" que o anima e organiza. Em vista disso, a fim de permanecer fiel a esse espírito, o trabalho de interpretação levado a efeito procura empreender o restabelecimento dos discursos do passado e do presente com que Saramago dialoga em seu romance de "encontro dos tempos". Isso proporciona que se desvelem as principais tensões sobre as quais o Memorial do convento se estrutura: o discurso narrativo dos períodos de formação da ficção portuguesa versus os modos e formas do romance da Modernidade: o Portugal de D. João V versus Portugal "pós-74"; o século XVIII versus o século XX, a História versus a ficção. A cada uma dessas tensões constitutivas do texto em estudo, outorga o autor a divida atenção, solicitando de Bakhtin, de Benjamin, de Barthes, de Candido, o instrumental teórico necessário e verdadeiramente pertinente para a interpretação de uma obra que investe de forma radical na exploração das potencialidades estéticas e humanísticas da literatura. Como resultado, tem-se um trabalho de leitura e interpretação no qual o que mais se destaca não é nem o texto específico analisado, nem o escritor que o produziu, e muito menos o analista que o realizou, mas a própria obra de arte literária, que, realizada em toda a sua plenitude (como é o caso do Memorial do convento, de José Saramago), adquire o poder de falar direto aos corações dos homens, conseguindo, assim, representar-lhes melhor a própria vida, incitando-os ao sonho e à fantasia, enternecendo-os, enternecendo-os - procurando, enfim, torná-los mais humanos do que até hoje têm podido ser... E este é, indubitavelmente, o maior mérito do trabalho analítico que o ensaio, ora publicado, contém.
Roberto Magalhães