Cavalo II
Passa no pensamento a passo
Um animal cavalo
Em fez de laço e pasto a foice
Na venta trespassada
Enquanto o braço abusa do cansaço
Do cavalo animal à chicotada
Entre as pernas do bicho a cicatriz
Que o animal não quis
E a pata almofadada de modo que não sofra
A pedra da calçada
E sentados nas bermas as velhas abrem as coxas
Entre as coxas cabeças decepadas
Com as línguas de fora escarnecentes
E tenazes nos dentes
A rua tem donzelas nas janelas
Que é esse o lugar delas
Enquanto o animal torce o pescoço
A ver se cai a urna que transporta
E não cabe na porta
Levantaram-se as velhas dos passeios
As cabeças rolaram penduradas
Da tripa umbilical
As donzelas taparam as orelhas
E mostraram os seios
Ao cavalo animal
Numa bandeja de prata
Uma menina de branco
Cinta de fina escarlata
Traz o membro do cavalo
Enquanto o morto descansa
Vão buscá-lo
_________
SARAMAGO, José. Provavelmente Alegria. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1987.
Passa no pensamento a passo
Um animal cavalo
Em fez de laço e pasto a foice
Na venta trespassada
Enquanto o braço abusa do cansaço
Do cavalo animal à chicotada
Entre as pernas do bicho a cicatriz
Que o animal não quis
E a pata almofadada de modo que não sofra
A pedra da calçada
E sentados nas bermas as velhas abrem as coxas
Entre as coxas cabeças decepadas
Com as línguas de fora escarnecentes
E tenazes nos dentes
A rua tem donzelas nas janelas
Que é esse o lugar delas
Enquanto o animal torce o pescoço
A ver se cai a urna que transporta
E não cabe na porta
Levantaram-se as velhas dos passeios
As cabeças rolaram penduradas
Da tripa umbilical
As donzelas taparam as orelhas
E mostraram os seios
Ao cavalo animal
Numa bandeja de prata
Uma menina de branco
Cinta de fina escarlata
Traz o membro do cavalo
Enquanto o morto descansa
Vão buscá-lo
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SARAMAGO, José. Provavelmente Alegria. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1987.