A obra de José Saramago, que se afirmou na presente década com quatro romances (Levantado do chão, Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis e A jangada de pedra, publicados com intervalos bianuais entre 1980 e 1986), que se encontram, por direito adquirido no cerne da literatura portuguesa actual, ao contrário do que pode assumir o leitor incauto foi-se gestando ao longo de décadas, nas quais o escritor, hoje bafejado pelo sucesso doméstico e internacional de público e crítica, se dedicou, com variável proficiência, porém sempre com inegável força criativa, à poesia, à crónica e ao teatro, bem como à tradução, à crítica literária e ao comentário político num percurso tanto mais exemplar quanto revela um esforço individual permanente para obter a plena expressão de sua autoral. Tal pertinácia e tal sucesso, organizada ela por, e fruto ele de, um padrão crescente de qualidade artística (este, também não menos exemplar), começa, felizmente, e como era de prever-se, a atrair um número cada vez maior de estudiosos. De facto, a bibliografia passiva de José Saramago multiplica-se através de artigos escritos em muitos lugares e várias línguas, quase todos eles, no entanto, referentes a um, ou alguns, aspectos de seus romances mais recentes. Com poucas exepções, e apesar das fundamentais aportações que trazem para seu estudo, estes artigos ignoram a totalidade da obra de Saramago e, portanto, não a levam em conta na formulação de seus pontos de vista críticos, e aquele que é um escritor "com bagagem" (parafraseio M. A. Seixo, que por sua vez faz o mesmo com o Saramago de A bagagem do viajante, 1a. ed., 1973) termina por aparecer como produto extemporâneo de si mesmo.
O livro que aqui tratamos constitui, segundo o meu conhecimento, o primeiro estudo publicado que visa superar esta carência e dar subsídios para outros futuros esforços de interpretação não-sectoriais, no que tange à obra de Saramago. Sem aprofundar nenhum dos livros ou tópicos tratados - a própria índole da Colecção Essencial, obviamente, o impediria - , M. A. Seixo, entretanto, não permite que a condensação analítica se confunda com a simplificação utilitária. De facto, o equilíbrio que consegue em seu estudo, entre a abrangência da informação e a unicidade da visão crítica, é notável; sem dúvida, esta define a maior qualidade de seu corajoso livro.
[COSTA, Horácio. Resenha sobre O essencial sobre José Saramago, de Maria Alzira Seixo (fragmento). In: Colóquio/Letras. n. 107, jan.1989, p.98-99.]