Folhas políticas (1976-1998)
Crônica, 1999
Crônica, 1999
Quando na Editorial Caminho quiseram saber o que eu pensava da ideia de publicar os artigos de teor político que escrevi a partir de 1976 (os de antes, os de 1972-73 e de 1975, com excepção de uns quantos que andam por aí meio incógnitos, foram recolhidos em As Opiniões Que o DL Teve e Os Apontamentos), quando mo perguntaram respondi que não cria que valesse a pena revolver uma poeria que ninguém, qualquer que seja o espaço partidário em que se situa ou em que se veio situando desde então, aprece interessado em levantar do mofo da nossa história política recente. Prometi, no entanto, que releria esses meus arrazoados jornalísticos com a atenção que merecessem, mas ainda tiveram de passar dois ou três meses primeiro que me resolvesse a sacudir as traças dos papéis mais amarelecidos pela antiguidade e averiguar se neles se observa alguma relação substantiva e coerente com os escritos que nos últimos tempos publiquei. Sobretudo uma relação coerente e substantiva com a pessoa (a pessoa, simplesmente) que escreveu uns e outros. Achei que sim e que essa era uma boa razão para acabar de os limpar do cotão do abandono, dar-lhes ordem de marcha e abrir-lhes a porta da rua. Aqui estão, pois.
Não vai faltar quem me acuse de que alguns destes tetos são desapiedados e injustos, que, tendo sido já politicamente inoportunos e impertinentes na própria época em que foram escritos, muito mais o vêm ser agora, e que, argumento final, não é atitude das mais prudentes e sensatas da minha parte, considerando que todos tempos os nossos "telhados de vidro", reabrir as chagas que o tempo, melhor ou pior, teve a caridade de cicatrizar. Disso, como do resto, pensará cada um o que quiser, e por isso responderá. Em todo o caso, creio que estas Folhas Políticas, de cuja honradez cívica não reconheço a ninguém o direito de duvidar, levam dentro verdades suficientes para que sejam capazes de defender-se sozinhas, sem ajuda. Nem sequer a minha.
José Saramago, "Prefácio à edição de Folhas Políticas".