Chico Buarque
Haverá universos paralelos? Perante as variadas “provas”
apresentadas ao tribunal da opinião pública pelos autores que se dedicam à
ficção científica, não é difícil acreditar que sim, ou, pelo menos, estar de
acordo em conceder à temerária hipótese aquilo que não se nega a ninguém, isto
é, o benefício da dúvida. Ora, supondo que realmente existam esses tais
universos paralelos, será lógico e creio que inevitável ter de admitir
igualmente a existência de literaturas paralelas, de escritores paralelos, de livros
paralelos. Um espírito sarcástico não deixaria de recordar-nos que não se
necessita ir tão longe para encontrar escritores paralelos, mais conhecidos por
plagiários, os quais, no entanto, nunca chegam a ser plagiários de todo porque
alguma coisa da lavra própria se sentem na obrigação de pôr na obra que
assinarão com o seu nome. Plagiário absoluto foi aquele Pierre Menard que, no
dizer de Borges, copiou o Quixote palavra por palavra, e mesmo assim o mesmo
Borges nos advertiu que escrever o termo justiça no século XX não significa a
mesma coisa (nem é a mesma justiça) que tê-la escrito no século XVII... Outro
tipo de escritor paralelo (também chamado nègre ou, mais modernamente, ghost) é
aquele que escreve para que outros gozem a suposta ou autêntica glória de ver o
seu nome escrito na capa de um livro. Disto trata, aparentemente, o romance – Budapeste – de Chico Buarque de Holanda, e se digo “aparentemente” é porque o
escritor “fantasma” cujas grotescas aventuras vamos acompanhando divertidos, se
bem que ao mesmo tempo apiedados, é tão-somente a causa inconsciente de um
processo de repetições sucessivas que, se não chegam a ser de universos nem de
literaturas, sem dúvida o serão, inquietantemente, de autores e de livros. O
mais desassosegador, porém, é a sensação de vertigem contínua que se apoderará
do leitor, que em cada momento saberá onde estava, mas que em cada momento não
sabe onde está. Sem parecer pretendê-lo, cada página do romance expressa uma
interpelação “filosófica” e uma provocação “ontológica”: que é, afinal, a
realidade? o que e quem sou eu, afinal, nisso que me ensinaram a chamar
realidade? Um livro existe, deixará de existir, existirá outra vez. Uma pessoa
escreveu, outra assinou, se o livro desapareceu, também desapareceram ambas? E
se desapareceram, desapareceram de todo, ou em parte? Se alguém sobreviveu,
sobreviveu neste, ou noutro universo? Quem serei eu, se tendo sobrevivido, não
sou já quem era? Chico Buarque ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre
um arame, e chegou ao outro lado. Ao lado onde se encontram os trabalhos
executados com mestria, a da linguagem, a da construção narrativa, a do simples
fazer. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este
livro.