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Imagem: DN Online.



A importância de Lanzarote na obra de José Saramago é o ponto de partida desta entrevista do realizador Miguel Gonçalves Mendes ao Prémio Nobel da Literatura, no âmbito do documentário 'José e Pilar', uma das muitas conversas que tiveram entre 2006 e 2009.

Que papel é que esta ilha, este espaço, assumiu para si?

Nenhum, nada. Quem tenha de escrever, escreve na ponta de um alfinete, se for necessário. "Ah, você na ilha, a inspiração..." Não acredito em nada que tenha que ver com inspirações. Não há inspiração, há trabalho. De onde é que vêm as inspirações? É que mesmo que venham de algum lugar, e evidentemente teriam de vir de algum lugar, esse lugar é só um: a nossa cabeça.

Mas é diferente a paz que tenho aqui ou a que tenho na Damaia. O espaço mental que posso ter nesta ilha...

Sim, mas a questão não é de paz. É o que estou a dizer-lhe: que se a pessoa tem de escrever, escreve na ponta de um alfinete, pá, ou você julga que os meus livros anteriores foram escritos nesta espécie de bem-aventurança quotidiana que é viver aqui? Vivi em apartamentos pequeníssimos, com secretárias deste tamanho, assim onde mal cabia a máquina de escrever.

Mas eu não pergunto sobre a influência da ilha na sua escrita, mas sim a influência da ilha na sua vida.

Aqui vive-se bem. Se a expressão "qualidade de vida" tem sentido, aqui tem-no. Mas, enfim, se tiver que ir viver para Lisboa, pois estarei em Lisboa da mesma maneira, com a mesma naturalidade.

Mas o José disse-me várias vezes que em Lisboa não se sente em casa, e que isto é que é a sua casa.

Não, não, não, nunca disse que não me sinto em casa em Lisboa. Que ideia! Tenho uma casa em Lisboa, e quando, agora em Maio, formos para lá, vamos instalar-nos na casa em Lisboa. Agora, há uma certa diferença, enfim, pelo tempo que se passa e pelas actividades que se desenvolvem num lugar ou noutro, entre estar em Lisboa ou estar aqui, mas isso não tem importância.

Mas qual das duas considera a sua casa?

As minhas casas, acabou, as minhas casas! Quando estou aqui, não estou suspirando por Lisboa, e se estou em Lisboa não estou suspirando por Lanzarote.

Mas o José já me disse que tinha saudades de voltar para casa, Lanzarote.

Não. Quando uma pessoa está ausente três ou quatro meses de qualquer sítio onde gostaria de estar, evidentemente que sim; nesse momento há uma espécie de sentimento de regresso. Estou regressando, mas... que é isso? Não tem importância nenhuma. A única coisa que tem realmente importância é aquilo que a gente faz. Quando a tem, porque nem sempre aquilo que se faz tem importância.

Quando não está em viagens, como são os seus dias?

Os meus dias não são em nada especiais. Levanto-me, tomo o pequeno-almoço, leio o jornal, vou trabalhar, ou não... quer dizer, é uma vida bastante rotineira.



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Publicado inicialmente no Diário de Notícias, em 06 de dezembro de 2010. Aqui.