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As obras que exprimem a confiança dos homens


O Prêmio Nobel da Literatura será atribuído a José Saramago. Será a primeira vez que a literatura da língua portuguesa, incluindo a do Brasil e dos países africanos, será galardoada com o referido Prêmio, fato que tem sido esperado ansiosamente há muitos anos. António Lobo Antunes, outro escritor português, tem sido também anunciado ultimamente como um dos candidatos como se estivesse a concorrer com Saramago. Este fato explica-nos que a literatura portuguesa tem atraído globalmente a atenção: com efeito ouvi que a Feira do Livro de Frankfurt do ano passado parecia celebrar o "Ano de Portugal". Infelizmente neste país a literatura portuguesa não é conhecida e espero que haja mais oportunidade para divulgá-la nesta ocasião que se nos oferece.

A atividade Literária de Saramago é diversa - poesia, teatro e ensaio - mas expressa mais o seu talento nos romances. Desde o primeiro romance Manual de Pintura e Caligrafia (1977) que o autor escreveu já com 55 anos e Levantado do Chão (1980) que revelou o nome do escritor, o nome de José Saramago ganha maior valor cada vez que se edita nova obra. Numa dezena de anos tomou-se o escritor mais popular na literatura portuguesa e até um dos autores europeus que mais prêmios internacionais da literatura recebeu. As suas obras são publicados simultaneamente em Portugal e no Brasil e muitas delas imediatamente traduzidas nas línguas europeias. É um autor raro em Portugal que alcançou a fama tanto no seu país como no estrangeiro.

A maravilha da escrita de Saramago está, resumidamente, na capacidade que ele manifesta e na consideração sincera que exprime, ao abordar os problemas essenciais que as pessoas, a sociedade e a literatura contemporâneas enfrentam, tratando sempre temas totalmente diferentes.

De uma obra à outra Saramago expressa esses temas num estilo característico que diverte os leitores. Todas as obras são profundamente significativas, exprimem a confiança nos homens e atraem e dominam os corações dos leitores.

O escritor abandonou os estudos secundários devido a dificuldades econômicas e frequentou uma escola técnica. Não tendo oportunidade de estudar numa escola superior, José Saramago cultivou e diversificou sozinho o seu mundo intelectual. A sua experiência em várias profissões, serralheiro mecânico, funcionário público etc., bem como a visão social, o talento em captar os temas característicos e o interesse para com o povo anônimo que cultivou quando era o jornalista, ficaram na carne e no sangue do escritor José Saramago. Após do período em que participou ativamente como militante comunista na Revolução de 1974, passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário a partir de 1975.

José Saramago ilumina a nova realidade histórica com a ideologia cruzando as vidas do povo oprimido e os acontecimentos históricos. Mais uma característica sua é ser o artífice da palavra utilizando à vontade a sua eloquência mimética do barroco, a imagem realista e pitoresca e o humor. Com este estilo próprio ele conta calmamente problemas sérios e histórias atrozes.

O melhor exemplo talvez seja o Memorial do, Convento (l982), que o divulgou internacionalmente, em que descreve o povo pobre forçado a construir um convento gigantesco sob o projeto do ditador D. João V, a vida luxuosa da corte, a execução dos hereges em frente da multidão excitada e a mulher vidente que retira as almas dos mortos para fazer um avião voar.

N’O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), obra que causou grande polêmica e levou Saramago a emigrar para a ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias, o autor põe em questão o significado do pecado, o mito dos personagens e também problematizou o dogma da autoridade.

Não posso esquecer n’A Jangada de Pedra (1986), a história fantástica em que a Península Ibérica larga o continente e flutua em direção ao Ocidente. Reconhece-se a importância do amor na obra Ensaio sobre a Cegueira (1995), em que todas as pessoas cegam subitamente.

A sua mais recente obra é Todos os Nomes (l997). Há 5 anos que Saramago tem editado o seu diário sob o título de Cadernos de Lanzarote.

Há justamente um ano recebi um fax de Saramago no qual me afirmou "sem ou com o Nobel, o valor das minhas obras não se modifica". Sendo um homem honesto, penso que esteja simplesmente satisfeito com o Prêmio. Gostaria de celebrá-lo sinceramente.


Takiko Okamura. Asahi Shimbun, 13 de Outubro de 1999.