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O olhar carinhoso e atento de José Saramago, Prêmio Nobel da Literatura

O conjunto das obras magníficas, profundas e cheias de significado

José Saramago fará 76 anos em Novembro próximo mas passou a dedicar-se exclusivamente aos trabalhos literários apenas há 20 anos. Foram precisos só 18 anos para receber o Prêmio Nobel, depois das suas obras serem reconhecidas. A atividade literária de Saramago é diversa - poesia, teatro, contos e ensaio - mas expressa mais o seu talento nos romances. Lançou 10 obras em 20 anos e muitas delas foram galardoadas com vários prêmios conceituados tanto em Portugal como no estrangeiro.

Se compararmos as obras com uma voz, a voz de Saramago é forte, madura e alta. Há quem diga que quando Saramago abre a boca, todo Portugal o escuta. Na verdade, as obras dele são demasiadamente difíceis para o público, porém, as pessoas compram os livros só por que são escritos por Saramago. As obras dele são magníficas, cheias de significado e profundas, e, além de tudo, o que fascina as pessoas é a técnica da narração do autor. Quando se fala na característica da sua obra, é sempre referida a sua originalidade e sensibilidade tradicional.

Saramago gostava, desde jovem, de literatura e escrevia poesia e ensaios. Porém a vida dele quando jovem era a de um trabalhador. Começando como serralheiro mecânico, o escritor experimentou várias profissões e iniciou-se na vida literária depois de ter participado ativamente no mundo político após a Revolução de Abril de 1974. Saramago já tinha passado os 50 anos de idade. É óbvio que o interesse e o carinho do povo anónimo com quem se encontrou na vida diária e o olhar atento sobre os acontecimentos contemporâneos, foram cultivados por Saramago nestas experiências variadas.

Todos os romances são extensos e vendem-se muitos exemplares; entre os que gostaria de resumir, os que melhor sintetizam a obra de Saramago, conta-se Levantado do Chão (1980) em que descreve a luta pela vida através de quatro gerações numa família indigente do Sul do Alentejo, a região mais pobre de Portugal. A história da vida severa do povo oprimido é narrada do ponto de vista histórico pelo autor e a utilização das palavras e o estilo revolucionários chocou o mundo literário português mas afirmou o nome de Saramago como escritor.

A principal característica das obras de Saramago é que aborda sempre assuntos históricos. Esta tendência aparece claramente no Memorial do Convento (1982) que divulgou globalmente o nome do escritor.

A cena passa-se em Mafra, perto de Lisboa, no século XVIII, quando a Inquisição teve o poder absoluto. A história desenvolve-se em redor da construção dum convento gigantesco. Aparecem os personagens que existiram verdadeiramente, como o músico Scarlatti e o Padre Gusmão, que foi perseguido pela Inquisição tentando construir uma máquina que corre no céu, todavia não são as figuras principais. Os protagonistas são um homem e uma mulher pobres. Baltazar perdeu um braço durante a guerra e Blimunda é a filha duma mulher executada pela Inquisição por ser acusada de bruxa. Eles ajudam o Padre a fabricar o avião - Baltazar com o braço de metal e ela com a capacidade de vidente. Reconhece-se a confiança profunda dos homens e o otimismo de Saramago através do sonho do padre em fazer o avião e a alegria do amor do casal.

No Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), em que analisou a cristandade como o conceito obsessivo de grupo, parece não ter relação com a história e a vida atual de Portugal. Porém é uma obra em que só um português podia escrever, pois a história nasceu duma situação religiosa tradicional de Portugal. Esta obra provocou grande polémica e o nome de Saramago foi excluído da lista dos candidatos para o Prêmio da Literatura da Europa de 1991, por que o escritor ofendeu a herança religiosa portuguesa. É curioso que Saramago tenha emigrado para a Ilha de Lanzarote no arquipélago das Canárias por causa desta "Inquisição" contemporânea.

A obra mais recente é Todos os Nomes. Além desta, publica todos os anos o diário Cadernos de Lanzarote.


Takiko Okamura. Mainichi Shimbun, 13 de Outubro de 1998