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Parábolas das políticas do poder em Portugal ganham Prêmio Nobel


José Saramago foi galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura, sendo o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o prémio literário mais prestigiado do mundo. «Estou muito feliz por mim próprio», disse a uma multidão exultante na Feira do Livro de Frankfurt. «Mas estou também contente pelo meu país».

O antigo Presidente português, Mário Soares, disse: «Penso que é, finalmente, um acto de justiça».

Saramago, que tem 75 anos, tem tido indícios de uma vitória em anos anteriores e ficou desiludido por não ter ganho o prémio o ano passado, quando este foi atribuído a Dario Fo.

A Academia Sueca, com a linguagem fantasiosa pela qual é conhecida, disse que tinha atribuído o prémio de 160 mil contos a Saramago pela obra que «com parábolas suportadas pela criatividade, compaixão e ironia nos permite continuamente aperceber-nos de uma realidade ilusória».

A revelação de Saramago surgiu em 1982, com Memorial do Convento, uma fantasia enraizada no século XVIII mas satirizando as políticas do poder do Portugal contemporâneo. Os seus romances, que incluem A Jangada de Pedra, História do cerco de Lisboa, O Ano da Morte de Ricardo Reis, O Evangelho segundo Jesus Cristo e Ensaio sobre a cegueira, estão traduzidos para mais de 25 línguas.

«Ele é o grandioso velho homem das letras portuguesas e tem lutado pelo Nobel durante anos» disse Guido Waldman, director editorial na Harvill, a sua principal editora do Reino Unido. «Muita gente se perguntava por que tinha sido esquecido». «É um escritor muito português, preocupado em estabelecer a identidade de Portugal como parte do veio central da cultura europeia, e não apenas uma pequena saliência da península espanhola. É um escritor cuidadoso e os seus romances são escritos de uma forma densa».

«Sem dúvida é o maior romancista ibérico do século», disse Michael Schmidt, director editorial na Carcanet, que publicou Saramago quando ele chegou à proeminência nos anos 80. «O que é maravilhoso é que consegue manejar e desenvolver uma forma convencional - é um romancista muito legível - mas é também muito experimental». «Ele é extremamente difícil de traduzir, porque usa os elementos mais profundos da linguagem. Não escreve naquele esperanto literário preferido por muitos dos romancistas europeus plausíveis dos nossos dias». «Ele é muito hostil à Igreja e há ainda uma corrente comunista no seu trabalho. É muito hostil a acumulações de poder. Cresceu sob Salazar e num ambiente dominado pela Igreja, e reagiu contra isso. É um marxista liberal, interessado na resistência e na emergência do ego ao tentar aguentá-lo».

Os pais de Saramago eram agricultores e, apesar de ter ido para a escola em Lisboa, passou grande parte da sua infância no campo. Trabalhou em metalurgia e foi desenhista antes de se tomar revisor, editor e tradutor de uma editora. Mais tarde tornou-se um comentador político no jornal Diário de Notícias de Lisboa, e no final dos anos 60 publicou um livro de poesia, seguido de coleções de ensaios, contos e uma peça de teatro.

O seu primeiro romance, Manual de pintura e caligrafia, despoletou pouco interesse quando foi publicado em 1977. O segundo, o abertamente político Levantado do chão, mereceu louvor quando foi publicado em 1980. Memorial do Convento, publicado dois anos mais tarde, trouxe-lhe uma fiada de prémios literários e foi-lhe dada atenção internacional.

Saramago entrou para o Partido Comunista em 1969, quando tal era ilegal sob a ditadura portuguesa, mas tem criticado tanto o partido como a sua ideologia. O seu envolvimento na política levou a um breve comoção na Assembleia Municipal de Lisboa, aquando da sua eleição como comunista em 1989, mas cedo abandonou o cargo para se concentrar na escrita.

«Não quero um cargo político, faz demasiadas exigências», disse. «Sou um escritor que por vezes intervém na política». Está agora casado com uma jornalista espanhola, e vive em Lanzarote.

O seu estilo lírico, tecendo fantasia, história de Portugal e ataques à repressão política e à pobreza, levou a comparações com escritores latino-americanos como o antigo galardoado do Nobel Gabriel García Márquez. Mas Saramago nega que haja uma influência e diz que velhos mestres como Cervantes e Gogol deixaram uma marca maior.

O prêmio deste ano foi discutido no habitual secretismo e controvérsia. A Academia dos 18, com base em Estocolmo, está dividida desde que três membros a abandonaram devido a planos de acção, incluindo a recusa pública de apoiar Salman Rushdie sobre a fatwa. Sture Allen, o secretário permanente da Academia, enfrentou este ano um grau nunca antes visto de ofensa pessoal devido ao seu modo de lidar com o processo de selecção.

A Academia não revela quem foi nomeado ou pré-seleccionado. As nomeações podem ser feitas por anteriores galardoados, doutores em História e Literatura, membros da Academia e presidentes de algumas organizações nacionais de autores.

É provável que o sucesso de Saramago seja bem recebido, mas comentadores politicamente correctos poderão apontar o fato de ele ser o quarto europeu consecutivo a ganhar o prêmio.


Stephen Moss. The Guardian, 9 de Outubro de 1998