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Prêmio Nobel atribuído a romancista português


A «Realidade Ilusória» de Saramago é louvada
 
 
No final dos anos 70 também se virou para os romances, publicando três seguidos em 1977, 1978 e 1980. Mas foi em 1982, com Memorial do Convento, que Saramago irrompeu no mercado internacional. «Este é um texto rico e multifacetado, que tem ao mesmo tempo uma perspectiva histórica, social e individual», constatou a Academia sueca, na quinta-feira. «A visão e riqueza de criatividade que exprime, são características do trabalho de Saramago como um todo».
 
Passado no Portugal do século XVIII, no período da Inquisição, o livro conta dos esforços de Baltasar, o veterano de guerra, e da visionária Blimunda para escapar para os céus a bordo de uma máquina voadora movida por vontades humanas, que Blimunda recolhia. Esta história fantástica tem como pano de fundo a tortuosa construção do convento de Mafra por milhares de homens, controlados pela Inquisição.
 
No seu romance seguinte, O Ano da Morte de Ricardo Reis, uma homenagem ao grande poeta português Fernando Pessoa, que nele aparece como fantasma, Saramago situa a história nos anos iniciais da ditadura salazarista, com a história a seguir as desventuras românticas e sexuais dum poeta-médico. Escrevendo no New York Times, Herbert Mitgang considerou-o «um romance raro antiquado - lírico, simbólico e meditativo de uma vez só».
 
Saramago, cujo sentido de liberdade literária é evidente na sua pontuação pouco convencional e no uso conflituoso de tempos verbais, procurou uma forma diferente de liberdade em A Jangada de Pedra, onde imagina a confusão que é desencadeado quando, de repente, a Península Ibérica se liberta do resto da Europa e começa a flutuar em direção ao Novo Mundo, ameaçando colidir com os Açores. Para delícia dos Bretões, Gibraltar fica para trás.
 
Como esperado, a amarga sátira O Evangelho segundo Jesus Cristo revelou-se controversa, com Deus usando o inocentemente humano Jesus Cristo para criar uma religião que provoca violência e intolerância. Quando um júri de Lisboa escolheu o livro como representante português para um prémio Literário Europeu em 1992, o governo conservador vetou a escolha por ser blasfema. Foi então que Saramago decidiu deixar o seu pequeno apartamento em Lisboa pelo relativo isolamento de Lanzarote.
 
A História do Cerco de Lisboa é um conto extravagante, despoletado pela decisão, de um humilde revisor de uma editora, de inserir a palavra «não» numa passagem essencial de um livro de História de Portugal. «Com este ato criador lunático», como disse Edmund White no New York Times Book Review, ele «descarrila completamente a saga nacional» ao afirmar que os cruzados não ajudaram a libertar a Lisboa do século Xll da ocupação mourisca.
 
Com a recente publicação de Ensaio sobre a Cegueira nos Estados Unidos, apenas o último romance de Saramago, Todos os Nomes, não foi ainda traduzido para inglês.
 
Apesar de ter seguido a linha de tradição de Andre Gide e Julien Green, aventurou-se agora na escrita dos seus diários. O quarto volume de Cadernos de Lanzarote foi recentemente lançado em Lisboa.
 
Saramago vai receber o seu Prêmio Nobel, este ano no valor de 160 mil contos, numa cerimônia em Estocolmo no dia 10 de Dezembro.



Reportagem de Alan Riding para Herald Tribune, 9 de Outubro de 1998.