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Saramago arrecada Prêmio Nobel de Literatura


Escritor iconoclasta de modos brandos, primeiro vencedor do Nobel de língua portuguesa


Lisboa, Portugal: José Saramago, que na quinta-feira se tornou o primeiro autor de língua portuguesa a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura, é um homem de modos brandos, conhecido por ser um sólido iconoclasta. Esta atribuição eludiu escritores de uma língua usada por cerca de 140 milhões de pessoas pelo mundo fora.

«Não falemos disso [o Nobel]. Eu apenas escrevo», insistiu numa entrevista telefônica dada a partir da sua casa nas ilhas espanholas das Canárias.

Aos 75, continua a ser um não-conformista asumido, através dos seus comentários regulares nos jornais e rádios, apesar de as suas opiniões serem sempre inspiradas na sua profunda preocupação com os seus semelhantes.

Ensaio sobre a cegueira, o seu último livro traduzido para inglês, é uma alegoria desconcertante sobre a fusão social em que uma cegueira inexplicável atravessa toda a sociedade. «Esta cegueira não é uma cegueira real, é uma cegueira de racionalidade», disse, «Somos seres racionais, mas não agimos de um modo racional. Se o fizéssemos não haveria fome no mundo».

Tal ansiedade quanto à escolha de prioridades na sociedade moderna é evidente em toda a sua obra e também dá uma ideia da sua resoluta simpatia para com o Partido Comunista. Nascido a 16 de Novembro de 1922, na vila de Azinhaga, perto de Lisboa, Saramago foi criado na capital. Oriundo de uma família pobre, nunca acabou os estudos universitários, mas continuou a estudar em part-time, enquanto trabalhava em metalurgia para se sustentar.

O seu primeiro romance, publicado em 1947, Terra do Pecado, conta a história de camponeses em crise moral. Vendeu pouco, mas trouxe a Saramago reconhecimento suficiente para que saltasse da oficina de metalurgia para um emprego numa revista literária.

Nos 18 anos que se seguiram, Saramago, então comunista aplicado que se opunha à ditadura de António Salazar [... ], publicou apenas alguns livros de poesia e viagens enquanto trabalhava como jornalista.

Voltou à ficção apenas depois de o regime de Salazar ter sido derrubado pela revolução militar de 1974.

É frequentemente comparado com o escritor colombiano Gabriel García Márquez e a sua escrita é descrita como realismo com um toque de misticismo latino- americano, especialmente devido à sua técnica de confrontar personagens históricas com outras de ficção.

«Ele tem procurado conciliar os racionalismos da sua visão materialista do mundo com a riqueza do seu estilo barroco. E foi bem sucedido», disse o crítico português Torcato Sepúlveda.

Outros discordam, dizendo que Saramago é demasiado intelectual e que a sua velocidade de contar histórias por vezes desacelera até um passo extremamente lento. Foi aclamado internacionalmente pela sua fantasia histórica de 1982, Memorial do Convento, publicado em inglês em 1988 como Baltasar and Blimunda.

Situa-se durante a inquisição e explora a guerra entre os indivíduos e a religião organizada, voltando ao tema, recorrente em Saramago, do solitário que luta contra a autoridade.

O tema faz lembrar o desentendimento que houve entre Saramago e o subsecretário de Estado Sousa Lara, que retirou o nome do escritor da lista de nomeados portugueses para o prémio Europeu de Literatura, por achar que o seu romance de 1991, O Evangelho segundo Jesus Cristo, ofendia as convicções religiosas portuguesas e dividia o país.

Nesta obra controversa Saramago, um ateu, propõe um Cristo que, sujeito a desejos humanos, vive com Maria Madalena e tenta escapar-se à sua crucificação.

«Não trago a paz, mas a espada», disse Saramago na altura, retirando-se para a sua casa nas ilhas Canárias.

No seu romance de 1984, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago critica a passividade portuguesa durante a ditadura salazarista, fazendo o poeta nacional austero Fernando Pessoa voltar do reino dos mortos para festejar e profanar.

A História do cerco de Lisboa, de 1989, fala de um revisor que por brincadeira introduz a palavra não num texto sobre a captura da capital portuguesa pelos Mouros no século XII, alterando assim o curso da História europeia com um toque da sua caneta.

Tais brincadeiras históricas e literárias são típicas de Saramago. No seu livro de 1986, A Jangada de Pedra, a Península Ibérica solta-se do resto da continente europeu e flutua pelo Atlântico Norte, aparentemente numa metafórica busca pela identidade, longe da natureza reguladora da União Europeia, da qual Portugal e Espanha são membros.


Barry Hatton. The Asian Age, 9 de Outubro de 1998