+A +/- -A
Saramago no labirinto da história

O romance do ano passado Todos os Nomes de José Saramago, recém-premiado com o Nobel da literatura, conta de um modesto funcionário preso nos labirintos de um enorme registo civil. A história decorre numa cidade que podia ser Lisboa, num tempo que podia ser o nosso. No meio de todo o pessoal, de todos os nomes, o funcionário é o único que tem um nome. Chama-se José, como o autor do livro.

Parábolas do nosso tempo

O senhor José do romance, na sua solidão, fica obcecado pela ideia de aprender a conhecer pelo menos um de todos os nomes no registo, o de uma mulher desconhecida. Para conseguir isso, o senhor José, até agora tão cumpridor das leis, viola as leis do registo e da sociedade. Abre portas sobre porta na direcção do desconhecido e proibido, acabando apenas por constatar que a mulher cometeu suicídio enquanto estava à procura dela.

Nada no mundo tem qualquer importância; o mundo está sem significado, verifica o senhor José no fim das suas andanças kafkanianas.

No romance Ensaio sobre a Cegueira, de 1995, uma cidade cai vítima de uma epidemia mística que resulta finalmente em cegueira. As pessoas que veem, isolam os cegos numa espécie de campo de concentração. O estado de sítio, o medo de ser contagiado, elimina as leis de um comportamento humano. Ambos os romances podem ser vistos como parábolas do nosso tempo, sendo simultaneamente eternos de um ponto de vista universal.

Durante vinte anos de uma intensa escrita de romances, José Saramago entrou assim na tradição kafkaniana do romance europeu. A questão é se não esteve lá todo o tempo, apesar de anteriormente ter sido comparado com o realismo mágico latino-americano, com Garcia Márquez e Alejo Carpentier.

Revolta e sensualidade

José Saramago viu-se reconhecido em 1980, quase aos 60 anos de idade, com o romance Levantado do Chão, que descreve 70 anos da história de Portugal no século XX. Saramago, filho de camponeses, tinha escrito uma epopeia de camponeses, cuja verdadeiro herói é uma heroína. Maria Adelaide é de uma família de camponeses revolucionários e obstinados. Ela própria participa na revolução dos cravos de 1974, que liberta o país do fascismo.

Também um romance anterior, Manual de Pintura e Caligrafia, decorre durante a revolução dos cravos. Os novos tempos encontram o casal de namorados do livro, em pé a uma janela aberta no romper do dia, embrulhados no mesmo lençol.

Esta cena transmite algo da maneira sensual e pouco convencional de Saramago de ver a história do seu país - uma maneira de escrever que, em 1982, resultou no sucesso mundial Memorial do Convento, também um recorde de vendas. Também aqui, a figura principal é uma mulher, Blimunda, que, com o seu caráter de ter os pés solidamente na terra, conquista a vontade de Baltasar, temente a Deus.

Durante 15 anos, Memorial do Convento saiu em 24 edições só em português, fato que diz algo da proximidade que Saramago tem com o povo. Não é todavia um escritor fácil. Experimenta tanto as formas de romance como a sua linguagem. Mas Saramago pode e quer sempre contar uma boa história, e isso, sem dúvida , é a chave para o seu sucesso não só quanto aos críticos e acadâmicos como também nos vastos círculos de leitores.

Além de Memorial do Convento, de Ensaio sobre a Cegueira e de Todos os Nomes, há mais dois romances da rica produção de Saramago traduzidos em sueco. História do Cerco de Lisboa decorre no tempo das cruzadas e descreve um episódio conhecido da luta dos portugueses contra os mouros. No Evangelho segundo Jesus Cristo Saramago escreve sobre a vida de Jesus e dá a Maria Madalena o papel da professora de Jesus.

"Mas tudo pode ser contado de uma outra maneira", é uma das réplicas chave em Levantado do Chão e isso também se transformou na chave para a visão de Saramago sobre a história.

Poeta, dramaturgo, jornalista

Aos olhos do mundo exterior, o autodidata José Saramago subiu de repente para a cena literária a partir da abertura internacional nos inícios dos anos 80. No seu país, não era todavia totalmente desconhecido. A sua primeira produção abrange um romance debutante, publicado já em 1947. É também poeta e tem atrás dele uma carreira prestigiosa de jornalista. Para além de romances, escreve peças de teatro e dedica-se a uma actividade literária muito portuguesa; desde 1994, publica anualmente os seus Cadernos de Lanzarote, diários escritos na ilha de Lanzarote nas Canárias, onde actualmente reside.

Um Saramago feliz: "Que prêmio para o meu país!"

O prosador português, José Saramago, encontrava-se no aeroporto, de caminho para casa depois da feira do livro em Frankfurt, quando, na quinta-feira, ouviu ter sido premiado com o Nobel da literatura. O seu editor disse-lhe para regressar à feira, onde foi recebido com um mar de rosas e exclamações alegres."Pessoalmente, estou muito feliz. Sou feliz também pelo meu país", disse Saramago.

Saramago disse sentir uma particular responsabilidade como o primeiro premiado português com o Nobel da literatura. "Para isso existe também um motivo patriótico", disse, e acrescentou que espera que a língua portuguesa agora seja uma língua mais lida.

Quando lhe foi perguntado por que motivo os seus livros eram tão importantes, respondeu: "Isso não me cabe a mim dizer. Cabe aos meus leitores."

Saramago foi traduzido numas 20 línguas e é um dos escritores da atualidade mais populares de Portugal.

Exaltação literária em Lisboa

Depois de uma espera de décadas, Portugal teve o seu primeiro prêmio Nobel da literatura. O orgulho nacional foi tão grande, que o próprio escritor foi quase esquecido. "Finalmente!" Exclamou Mário Soares, ex-Presidente, que salientou a importância do prêmio para a língua portuguesa.

O Presidente Jorge Sampaio disse que o prêmio foi motivo para uma celebração geral. "Saudamos Saramago e agradecemos-lhe pelos milhões de páginas maravilhosas que nos deu", disse. "Estava na hora de se reconhecer a literatura portuguesa", opinou Violante Matos, filha de Saramago. Por seu lado, o orgulhoso Saramago gozou com o alvoroço na rádio portuguesa: "O prémio é para todos, mas o dinheiro é para mim, não é?!"

O português é uma das grandes línguas mundiais. É mais falado no Brasil, que foi uma colônia portuguesa até à independência em 1822. O escritor brasileiro Jorge Amado, também dado como candidato ao prêmio Nobel, e grande amigo de Saramago, disse que o prêmio foi uma vitória tanto para a literatura portuguesa como para o próprio escritor: "Se alguém merece o prêmio Nobel é Saramago. Premiando Saramago, um dos mais significativos escritores da atualidade no mundo inteiro, o prêmio Nobel reconhece os méritos da língua portuguesa", disse Amado.


Hufvudstadsbladet, 9 de Outubro de 1998